Por Rui Lopes
Oficial de Segurança do Porto do Funchal
Seis da manhã. Toca o alarme. No telemóvel 4 chamadas não atendidas e uma mensagem.
A adrenalina dispara.
Numa hora chegada ao Porto Moniz. Nesse tempo pensamento a mil, avaliação e planos sendo construídos...
Uma embarcação na vertical, apenas com um metro fora de água…as embarcações fazem-se para viver na horizontal...
Um homem aproxima-se e pergunta se sou do Seguro, apresento-me e diz-me que é o Mestre da embarcação e que uma onda o enviou contra as pedras...
Avalio o excelente trabalho efetuado de contenção de hidrocarbonetos.
Um homem aproxima-se, é o responsável da estação de Salvamento do Porto Moniz. Explica-me que fizeram a operação com o pessoal da Marinha.
Chega o Capitão do Porto e o Sub - Chefe da Polícia Marítima. Analisamos a folha de tempo, definimos os objetivos, traçamos o plano.
É convocada a equipa de intervenção da APRAM para melhorar a prevenção contra a poluição.
Apresenta-se o responsável da Brigada de Poluição do departamento Marítimo da Madeira, que em conjunto com a estação de Salvamento fez um trabalho brilhante durante a noite, em condições de elevadíssimo risco.
Fazemos a avaliação, no momento, e em conjunto implementamos ligeiros ajustes, reforçando a proteção.
Chega a equipa APRAM. Dou as primeiras instruções e a ação deles é exatamente como se estivessem a ler os meus pensamentos. O brilhantismo de pessoas bem treinadas.
Ao representante do seguro são transmitidas as instruções e tudo é colocado á disposição.
As equipas de mergulho, o compressor, os bombeiros, a grua, a equipa de remoção de hidrocarbonetos...
Pelas 16 horas a embarcação flutua! Sucesso!!! Não aumentou o derrame, a embarcação manteve-se inteira, não há danos pessoais.
Às 19 horas chega a única grua com capacidade para efetuar o trabalho e que estava numa obra no Porto Moniz. Às vezes temos sorte... O trabalho é feito à noite com aumento de risco, mas com uma presença de bombeiros de São Vicente e Porto Moniz, superiormente dirigidos, tecnicamente perfeitos e bem equipados.
É discutida a capacidade da grua. São usadas cintas da APRAM. Sabemos que estamos a trabalhar no limite do risco e que o resultado é incerto.
A Polícia Marítima estabelece o perímetro, porque se constata que o nível de consciência dos espontâneos é o mesmo seja no canhão da Nazaré seja no Porto Moniz.
A operação começa.
O limite de carga da grua apita.
Esgota-se a água, os mergulhadores tapam os buracos na embarcação.
Continua a esgotar-se a água.
Inicia-se a trasfega de hidrocarbonetos.
A articulação entre todas as equipas é perfeita.
A embarcação vai subindo.
Com a perda da impulsão (ai Arquimedes!!!) o alarme volta a tocar. Estávamos nos limites...
Retira-se o resto dos pesos. A operação recomeça sem alarmes...
Evacuam-se todas as viaturas e pessoas não essenciais...
O nível de alerta aumenta, passa da meia noite...
O alto risco da operação leva a que a embarcação tenha de ficar paralela à grua. Qualquer erro pode ser fatal...
O manobrador da grua, qual mestre pintor, movimenta a embarcação com a suavidade de uma pincelada...
A coordenação em terra de quem segura os cabos guia impede o contacto das 40 toneladas da embarcação com a grua, passando a distâncias inferiores a 10 cm...
As cintas aguentam, a grua também...a embarcação chega á vertical da sua posição...são colocados os picadeiros... lentamente descarrega-se o peso da embarcação sobre os picadeiros...a estrutura vetusta da embarcação suporta...os picadeiros também... não há derrames, não há acidentes pessoais...o sucesso é total...
Foi um privilégio ser parte desta equipa de 45 homens.
Foi um privilégio perceber que na parte mais remota de uma pequena Ilha, graças ao empenho e profissionalismo de todos, foi possível alcançar um resultado brilhante no mais curto espaço de tempo - Entre o sinistro e a recuperação passaram 30 horas.
A embarcação chama-se Ilha do Sol...que bela analogia para a esperança na Recuperação da Madeira no pós-Covid, e da forma como é possível alcançá-la. "